Judeus no mundo

PORTUGAL


 É difícil precisar quando começou a história judaica na península Ibérica e no que viria a se tornar Portugal. Embora o relato mais antigo da existência de judeus no local seja uma lápide do século V, acredita-se que no período do rei Salomão, judeus imigrantes já haviam se estabelecido na península. De qualquer forma, a vida dos judeus ali pouco se alterou na Idade Média, pois as terras eram governadas pelos visigodos e, posteriormente, pelos árabes, que tratavam relativamente bem os judeus. É importante lembrar que no período de ocupação moura, a produção cultural judaica cresceu muito, visto que as idéias anti-judaicas que tomavam o resto da Europa juntamente ao cristianismo não repercutiram no reinado mulçumano.

 

No século XII, a história na península Ibérica sofre mudanças e a vida dos judeus se altera junto com os acontecimentos. Em 1139 o Condado Portucalense se declara independente e forma o Reino de Portugal, comandado na época por Dom Afonso Henriques.

 

Mesmo antes da formação do país, comunidades judaicas já haviam se estabelecido e prosperado no local. Sendo assim, o reino português já nascera sob forte influencia judaica. Desde os primórdios do reino, o judaísmo fora reconhecido pela Coroa como grupo político e religioso distinto recebendo atenção especial do governo.

 

A sociedade portuguesa começou a prosperar e com ela a comunidade judaica que gerou indivíduos pródigos em diversas especialidades. Os judeus tornaram-se grande parte da elite intelectual do país nos séculos XII e XIII, o que fez surgir importantes nomes como Dom Jachia Ben Jaisch III, que se tornara ministro das Finanças e Rabi-Mor de Portugal, Abraham Zacuto que confeccionara as principais cartas de navegação usadas pelos exploradores Portugueses, Isaac Abravanel, um dos mais bem-sucedidos comerciantes da época, e muitas outras figuras que se destacaram na história de Portugal e do mundo.

 

Mesmo com a forte presença da Igreja, que por volta da metade do século XIII já havia criado a Inquisição, o povo de Portugal não perseguia os judeus e entendia estes como importantes peças na economia e na vida cotidiana do país. Isto se provou quando, em 1251, a Igreja ordenou que os judeus usassem roupas e símbolos característicos e tal ordem não se cumpriu em Portugal.

 

A população luso-judaica beirava 200.000 pessoas e representava significantes 20% dos Portugueses. Os judeus costumavam se organizar em bairros exclusivos, as Judiarias. Habitar estes bairros não era obrigatório até antes de um decreto de D Pedro I, de 1361. A convivência relativamente pacífica dos judeus com os portugueses contrariava o que acontecia no restante da Europa: a Peste e a grande influência exercida pela Igreja na população criava um sentimento anti-semita fanático na maioria dos países do velho continente. Contudo, esta coexistência amistosa começou a ruir no final do século XIV.

 

A bem sucedida vida de muitos judeus começou a incitar um ódio violento nas classes baixas da sociedade portuguesa, que se viam desfavorecidas perante a Coroa. Com raras exceções, os governantes nos séculos XIV e XV apresentaram uma escala crescente de anti-semitismo. Em 1385, sobe ao trono Dom João I já sob influência dos países vizinhos e do ódio da plebe pelos judeus. Os atos violentos contra as judiarias começam, mas são esparsos pois não são incentivados pelo governo que se continha diante dos esforços do Rabi-Mor da época, Moises Navarro, para inocentar os judeus de todas acusações anti-semitas na corte.

 

No ano de 1391, cerca de 100.000 judeus fogem da Espanha anti-semita para encontrar abrigo nas terras portuguesas. Mesmo com a ação e os esforços de D. Moises Navarro, D. João I e o seu sucessor o Rei Duarte promulgam leis anti-judaicas, como a obrigação dos mesmos de usar hábitos especiais. A violência dos confrontos dos judeus contra a plebe influenciada pelo baixo clero da Igreja aumenta e começa a se tornar comum na sociedade lusitana.

 

Após a morte de Dom Duarte, sobe ao trono Dom Afonso V (1432- 1481) e a situação decadente da vida judaica sofre uma virada importante. Este rei foi considerado um protetor dos judeus, abrigando-os e ajudando-os durante todo o seu reinado. A corte foi repovoada por judeus importantes e intelectuais, o que enraizou ainda mais o ódio no povo que, aproveitando a ausência do rei, atacava os bairros judaicos sem hesitar. Estes ataques, porém, não causavam danos irreparáveis, pois eram logo contidos pela guarda real.

 

O sucessor de D. Duarte foi D. João II, que acabou com a melhoria temporária da vida dos judeus no país. Sob seu reinado, uma outra leva de judeus espanhóis expulsos de seu país tentou se refugiar em Portugal. O rei aceitou parte das famílias sob pretexto de precisar de bons ferreiros para a preparação na guerra contra os mouros. A estadia dos judeus era paga e durou apenas 8 meses. Depois deste tempo predeterminado, os judeus espanhóis foram expulsos de Portugal e aqueles que se recusassem seriam escravizados. Em 1493, parte do projeto de expulsão dos judeus refugiados no país era mandar as crianças para a Ilha de São Tomé. Quase 700 crianças foram tiradas de seus pais e enviadas para a ilha.

 

No ano de 1494, o monarca D. Manuel I torna-se rei e liberta os judeus reconhecendo-os como importantes elementos econômicos. Embora libertos, os judeus presenciam a expulsão de todo o seu povo do território lusitano. Isto ocorreu porque Manuel I casou-se com a princesa espanhola Isabel, que exigia o exílio de todos judeus e mouros da península Ibérica. Embora Dom Manuel I preferisse manter os judeus em seu país, aceitara o contrato de casamento e começara em 19 de Março de 1497 um processo que começou com a segregação das famílias judias.

 

A opção aos judeus lusitanos era ou deixar o país ou se converter ao cristianismo. Estima-se que cerca de 20.000 judeus deixaram sua terra natal e mais de 120.000 permanecerem em Portugal se escondendo do governo ou se convertendo à nova religião. As crianças judias de 4 aos 14 anos foram tiradas de suas casas e dadas a novas famílias para se educar como cristãs. O uso das crianças para oprimir o povo judeu fora novamente usado como estratégia para livrar o país de sua presença.

 

O século XVI foi marcado pelo enorme fortalecimento da Inquisição Católica no país. Embora supostamente todos os judeus portugueses fossem totalmente cristãos ou praticassem o judaísmo em segredo (os chamados marranos), a perseguição a eles não cessou. Em 1506, 3000 novos cristãos foram assassinados pela população em Lisboa. Trinta e quarto anos depois, a Igreja Católica anunciava o primeiro auto de fé em solo português.

 

A perseguição continuou, forçando muitas famílias marranas a deixar Portugal à procura de um país que os aceitasse. Holanda e Estados Unidos foram os destinos mais comuns da população que fugia do encalço inquisidor da Igreja.

 

O último auto de fé promulgado no país ocorreu em 1765, mas a Inquisição só foi oficialmente expulsa após a revolução liberal de 1821.

 

O início do século XIX representou o início do processo de readmissão dos judeus no solo nacional lusitano. Em 1800, judeus ingleses foram convidados a se estabelecer em Lisboa e assim o fizeram diversas famílias. A comunidade judaica do país começou a crescer novamente, mas só foi reconhecida oficialmente em 1892.

 

Após a Primeira Guerra Mundial, o capitão marrano do exército português, Artur de Barros Bastos se converteu ao judaísmo ortodoxo e fundou a sinagoga de Oporto. Junto à sinagoga, Bastos criou uma yeshivá que educava cerca de 90 alunos. Nesta época, 10.000 famílias portuguesas admitiram praticar o judaísmo em segredo.

 

A atitude diante do anti-semitismo na Segunda Guerra Mundial foi a favor de muitos judeus. Oficialmente, somente 380 judeus moravam no país durante o Holocausto, mas o número cresceu com a vinda de refugiados de países como Hungria e França (após estes caírem contra a Alemanha Nazista). Portugal, sob a ditadura de Salazar, assim como os EUA e a Inglaterra, não quis conceder vistos para refugiados sem nacionalidade definida, sem estado, judeus ou anti-fascistas sem autorização de Lisboa, que se basearia em um exame de cada caso. Um diplomata português, chamado Aristides de Sousa Mendes, que dirigia o consulado de seu país em Bordeaux, na França, contrariando ordens diretas de Salazar, concedeu 30.000 vistos para qualquer tipo de refugiado. Estes vistos muitas vezes eram concedidos a famílias inteiras, permitindo que muitas pessoas se salvassem. Devido a essa atitude, Sousa Mendes (que era de origem nobre), caiu em desgraça e acabou morrendo na pobreza sem ter sido reconhecido por seu esforço. Hoje, no entanto, ele é celebrado como um Justo entre as Nações, título dado pelo Yad Vashem para não-judeus que se arriscaram para salvar judeus durante o Holocausto.

 

Em 1974, com a Revolução dos Cravos, que restabeleceu a democracia no país, metade da população judaica deixou o país com destino, principalmente, a Israel, Brasil e Canadá.

 

Hoje, existem apenas 600 judeus que residem em Portugal e cerca de 100 marranos sendo que quase 50% desta população reside em Lisboa.